Foram 13 dias em La Habana, vividos entre o primeiro e o segundo turno das eleições brasileiras de 2010. Estar em Cuba foi a realização de um sonho e pretendo dividir minhas impressões neste blog!

sábado, 27 de novembro de 2010

As moedas cubanas e os gineteiros

O sistema monetário em Cuba é dividido: uma moeda para os cidadãos cubanos (o peso) e outra para os visitantes, os chamados pesos convertibles, ou simplesmente CUC. São moedas e notas diferentes e o turista que se vale de uma casa de câmbio (as cadencas) pode trocar dolares ou euros apenas por CUC, mas isso não impede seu acesso ao dinheiro cubano no cotidiano. Essa divisão das moedas, na minha opinião, causa um mal danado à sociedade. Primeiro por conta do disparate dos valores: um CUC vale cerca de 27 pesos cubanos ou 1,23 euros. Existem lojas só de produtos em peso cubano, outras só em CUC e ainda as mistas. Os produtos em peso são subsidiados pelo estado, como os das feiras e vendas tipicamente cubanas, daí nada mais justo que sejam vendidos em peso e não em CUC. O turismo é atividade fundamental na economia da Ilha: há ônibus, restaurantes, lojas de artesanato que aceitam apenas o CUC e tantos outros em que se paga só em peso. Isso, de alguma forma, divide os ambientes e restringe  o acesso dos cidadãos aos estabelecimentos em que se para em CUC. Um exemplo: a passagem do ônibus de turismo, aberto em cima, custa 3 CUC, enquanto que os cidadãos comuns pagam 1 peso pela passagem nos ônibus comuns. Eu fui a praia do leste de ônibus cubano e admirei que a falta de cobradores não estimula o não pagamento da passagem: as moedas são depositadas numa caixa de acrílico transparente, logo atrás do motorista. Admiro isso, a confiança no cidadão. Muitos dos novos ônibus são de frabricação chinesa.
Mas voltando ao sistema monetário, eu percebi que o disparate do câmbio entre o peso e o CUC, estimula os malandros a conseguirem de qualquer forma, arrecadar quantias em CUC. Não há violência como assaltos a mão armada. A grande arma dos que desejam tirar vantagem é a lábia. Eu me considero muito prevenida, atenta a situações de risco e nos meus primeiros dias, caí mais de uma vez no chamado conto do vigário. Com boa conversa e simpatia, a pessoa seduz e cria um enredo atrativo, que provoca sentimentos de piedade ou coisa que o valha. Eu já havia sido levemente avisada sobre isso e depois que identifiquei a estratégia dos “gineteiros”, como são chamados os malandros cubanos, deixei de ser tão maleável e simpática.
Na visita à Universidade de Habana, um deles se aproximou perguntando as horas. Minha resposta entregou minha “estrangeirice.” E aí o papo se estendeu, culminando com o pagamento da conta por mim e a doação de uns trocados em moedas. Tudo pago em CUC, claro. O homem era jovem, de seus 40 anos e se dizia professor universitário de História, como eu: que coincidência! Posteriormente eu conclui: qualquer cidadão cubano conhece muito bem sua história e era fácil pra ele dissimular a profissão com os conhecimentos que teve na escola. Eu parto do princípio de que as pessoas estão sempre dizendo a verdade e nesse caso não foi diferente. Eu não quero julgar as atitudes dos gineteiros cubanos, nem dos malandros cariocas, nem de ninguém que queira tirar vantagem por alguma razão. Mas é possível perceber nisso certa quebra de dignidade e eu tive a impressão de que a existência de moedas diferenciadas é fator contribuinte pra isso. Ao menos a arma é menos violenta, sei lá. Na minha adolescência jovens apontavam revólveres para outros com o intuito de roubar seus tênis de marca. Em Habana a arma é a lábia, a conversa mole, a estratégia do convencimento através de um enredo forte e apelativo.

5 comentários:

  1. Malandragem tem em todo lugar, mas cariocas e cubanos parecem ser os profissionais do ramo... a se o Simonal soubesse...
    Qual a tradução para "gineteiro"?

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  2. Oi Clarissa. Pois é, gineteiro quer dizer joquéi, os que montam à cavalo.

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  3. O termo jineterismo provém de uma invenção humorística, natural dos cubanos, pois, durante as guerras de liberação contra o domínio espanhol, os mambises lançaram-se contra os inimigos em ataques de cavalaria e, na década de 90, os cubanos ofereciam-se aos turistas aspirando a liberdade que o dólar supostamente poderia lhes oferecer.

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  4. Em Cuba, não há assaltos no sentido normal, com armas, mas há muita gente nas ruas especializadíssima em se acercar dos turistas, se fazer passar por “amigo”, querendo “ajudar”, com uma conversa que lá há miséria e essa gente acaba tirando da pessoa, às vezes por bem, sem a pessoa perceber, roupa, dinheiro... , com histórias que tem filho diabético passando fome e outros casos.

    Um cubano normal não se aproxima de um turista para pedir nada, nem para se oferecer como guia de turismo! NEM PARA PERGUNTAR AS HORAS! ESSA É A ABORTAGEM MAIS BATIDA!

    Nessa aproximação, por trás dessa conversa “inofensiva” há sempre um plano de “golpe”. Há muita gente, bastante dissimulada, nos locais de turismo, que vive sem trabalhar, pois é “mais fácil” contar casos e mentiras para tirar dinheiro das pessoas. Em Cuba, o trabalho é obrigatório, mas é como em qq lugar. Há gente que não quer se meter num ônibus às 7h da madrugada. Há especialistas em conversa fiada, principalmente nos locais de turismo. a UNIVERSIDADE DE HABANA É MUITO VISADA.

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  5. O sistema monetário em Cuba não é dividido: uma moeda para os cidadãos cubanos (o peso) e outra para os visitantes, os chamados pesos convertibles, ou simplesmente CUC.
    Isabela, desculpe, pois qq pessoa, cubana ou estrangeira pode ter ou gastar nas duas moedas.
    Essa divisão das moedas existe enquanto o país não pode garantir a importação de produtos, ou de matéria prima para fabricá-los para todos. Esse disparate dos valores: um CUC vale cerca de 27 pesos cubanos, mas já valeu muito mais. Em 1993, no auge das dificuldades, quando Cuba perdeu 85% das impostações e das exportações, um dólar custava 120 pesos cubanos. E esse plano do CUC existe para que a médio prazo um peso passa se igualar a um CUC acabar com os CUC. Por suposto, que eu Cuba ninguém deseja isso, mas uma coisa é o ideal, outra é o possível.
    O acesso dos cidadãos aos estabelecimentos em que se para em CUC não é proibido a ninguém. Mas veja que o estado não tem condição de subsidiar determinados consumos a todos. O que se busca é que as pessoas não vivam uma situação de desfiliação social. Em Cuba, há pobreza, a ninguém é dado o direito de acumular fortunas, MAS NÃO EXISTE MISÉRIA, nem bala perdida, nem narcotraficante, nem chacina, nem sequestro.
    Qualquer pessoa, não precisa ser um cidadão comum, para poder pegar um ônibus comum. O preço pode 10 centavos de peso, dependendo do trajeto. A prestação da casa própria pode ser o equivalente a 1 dólar. A água, luz, telefone, remédios, cinema, espetáculos esportivos e culturais são em pesos. Não há saúde, nem escolas pagas Os livros didáticos são subsidiados.
    Sobre o ônibus de turismo, estive na Espanha em julho e paguei pelo ‘botelo’ 17 euros, válido para um dia, como esse. E na Espanha nesse ônibus não havia espanhóis, porque esses ônibus se destinam a passeios para quem está conhecendo o lugar, como em Cuba.

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